Selecciona una palabra y presiona la tecla d para obtener su definición.
Indice


Abajo

Descobrimento do caminho maritimo da India

Manoel, Bispo Conde





  —527→  

BISPADO DE COIMBRA.-Circular.- Pela commissão central executiva da celebração nacional do descobrimento do caminho maritimo da India, foi-nos enviado o officio do teor seguinte:

Ill.mo e Ex.mo Sr.-Approximando-se a data fixada para a celebracão nacional do descobrimento do caminho maritimo da India (17, 18, 19 e 20 de maio), celebração que, sendo um dever de honra e de reconhecimento da familia portugueza aos que lhe vincularam gloriosamente o nome na historia da civilisação   —528→   christã, é simultaneamente uma affirmacão reivindicativa da nossa solidariedade e da nossa individualidade historica, como nação que quer conservar-se independente e honrada, permitte-se esta commissão renovar perante V. Ex.ª Rev.ma o apello á cooperação mais efficaz do seu esclarecido patriotismo, solicitando especialmente a sua attenção e annuencia para a melhor execução dos seguintes artigos do programma official:

Art.º 14.º Na alvorada do dia 17 de Maio de 1898... repicarão todos os sinos de todas as egrejas parochiaes...

§ unico. No mesmo dia e occasião abrir-se-hão todos os templos para dar graças a Deus pela gloria, independencia e integridade da Patria e suffragar as almas dos que bem e lealmente a serviram e honraram.

Art.º 15.º Todos os edificios e estabelecimentos publicos dependentes do Estado, dos Municipios e das Parochias arvoram a bandeira nacional e adornarão e illuminarão as respectivas fachadas nos dias 17, 18, 19 e 20 de Maio de 1898.

§ 2.º Em todas as egrejas matrizes será resada ou cantada uma missa em accão de graças.

Antecipadamente sabe a commissão que o alto e illustrado espirito de V. Ex.ª e da egreja nacional não saberá recusar a sua calorosa adhesão e cooperação valiosissima á solemne e publica commemoração de uma das maiores glorias da Patria que o foi tambem da Fé portugueza.=Deus Guarde a V. Ex.ª Rev.ma=Commissão Central Executiva, 16 de Abril de 1898.-O Presidente, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.=Os Secretarios, Luciano Cordeiro, Ernesto de Vasconcellos.

São dignos de todo o louvor e agradecimento esta ex.ma commissão e em especial os seus dignissimos presidente e secretarios pelos sentimentos de verdadeiro patriotismo que revelam, trabalhando tanto e com tanta efficacia e perseverança para que a Nação Portugueza affirme bem alto o seu brio e o seu valor, celebrando dignamente o anniversario d'um acontecimento que encheu outr'ora o mundo de admiração e que fez com que ainda hoje seja respeitado e abençoado na historia o seu nome; e pela nossa parte não deixarão de ter o nosso applauso os seus intuitos e patrioticos esforços.

  —529→  

Infelizmente as circumstancias em parte imprevistas e de caracter interno e externo que hoje nos rodeiam, e que tanto nos preoccupam e assustam, não se compadecem muito com os grandes jubilos e enthusiasmos com que o povo portuguez devia celebrar este seu glorioso centenario, e com outras festas alem d'estas que se indicam.

A nossa visinha e catholica Hespanha, a nação por excellencia nossa irmã, e sempre nobre, fidalga e heroica, depois de grandes sacrificios e de grandes perdas de fazenda e de vidas na ilha de Cuba, está em guerra declarada com os Estados-Unidos, e ninguem póde calcular o sangue que esta guerra fará derramar, nem os acontecimentos e desgraças que d'ella poderão advir especialmente para a Peninsula; e n'esta triste conjunctura em que nem a voz do Santo Padre a favor da paz foi ouvida, não obstante todos os Estados e todos os fieis bemdizerem o papel caridoso e fraternal que desempenhou junto das potencias europêas para a conseguir, o nosso coração de portuguezes e de catholicos, sempre condoido das desgraças proprias e alheias, leva-nos agora, não para as praças a gosar festas e divertimentos publicos, mas para os templos a pedir a Deus Nosso Senhor que poupe a vida de tantos dos nossos irmãos, e que faça vêr e ouvir, por entre o fumo da polvora e o troar dos canhões, os sentimentos d'humanidade, as lagrimas e os ais dolorosos e dilacerantes de tanta viuvez e orphandade, e os protestos, vehementes e indignados, da civilisacão e das chamadas sciencias sociaes e humanitarias contra este processo barbaro e selvagem de dirimir pleitos internacionaes em fins do seculo XIX.

Tambem não póde chamar-nos muito para festas e alegrias o nosso bem conhecido estado financeiro, pelo muito que nos está fazendo já soffrer no presente, e pelos receios e sobresaltos em que nos traz de continuo a respeito do futuro.

O nosso nome e o nosso credito andam arrastados pelas praças estrangeiras, e os nossos crédores, e os convidados e hospedes das nossas festas internacionaes, como são as de que se tracta, podem não as vêr bem, e humilhar e ferir o nosso orgulho nacional sem que os possâmos contestar.

Pena é, pois, não ter sido possivel assignalar este centenario   —530→   com qualquer principio, ao menos, de pagamento das nossas dividas para irmos resgatando a honra e decoro da nossa querida patria, e para sahirmos do estado vexatorio em que nos encontramos, e que o horisonte, tão negro e carregado do nosso destino, torna cada vez mais angustioso e afflictivo; e parece-nos que os grandos heroes da nossa epopeia maritima se levantariam nos seus tumulos, se podessem, para serem os primeiros a louvar e applaudir a commemoração por esta fórma dos seus feitos gloriosos.

Seria necessario, é verdade, fazer dolorosissimos sacrificios e um supremo esforço para este resgate, mas havendo a certeza, pelas providencias que se tomassem, de que o producto d'elles não se desviaria do seu fim, e de que governantes e governados, todos mais ou menos culpados na triste posição em que nos vêmos, dariam as mãos uns aos outros para se entrar em administração mais economica, o nosso povo, que é bom e soffredor, honesto e honrado, apezar de tantos pregoeiros do mal e de tantos exemplos maus que lhe dão, não recuaria perante as exigencias que lhe fizessem para a salvação da patria e que conbessem nas suas forças; e não recuariam por certo os ministros do altar, não obstante a sua pobreza e os apuros e difficuldades da vida de muitos; porque se de todo os possue o amor da religião, não os possue menos o amor da patria, e póde o nosso querido Portugal contar sempre com o seu patriotismo e dedicação, com a sua boa vontade e influencia, e com o fervor constante das suas orações para que Deus Nosso Senhor se compadeça de nós, para que ilumine o Rei e o seu Governo, e para que proteja, ampare e defenda o reino fidelissimo.

Todavia, quaesquer que sejam os males que nos opprimam e o decahimento e os perigos da nossa nacionalidade, corre a todos o dever de evitarmos, cada um pela sua parte, que o pais cáia no desanimo e desalento publico, que é o symptoma mais aterrador da sua perdição e agonia; e entre outros, não póde deixar de ser remedio proveitoso para o levantar e chamar á vida, é para não deixar morrer de todo as suas energias e as suas esperanças festejar e honrar as suas datas mais gloriosas, recordar-lhe o que   —531→   fizeram por elle os seus homens mais notaveis, os trabalhos e perigos por que passaram, a fé, abnegação e valor de que deram exemplo, para lhe conquistarem o respeito e a admiração do mundo, e para os seus nomes passarem de seculos e de gerações sempre immortaes e aureolados pela gratidão dos seus descendentes e pelas bençãos e louvores da historia.

Commemore-se, pois, o presente centenario pelo modo que as circumstancias o permittirem, para que os herdeiros e descendentes de Vasco da Gama, que se mais mundo houvera lá chegára, vendo a gratidão que lhe é devida, é como é ainda hoje glorificada a sua memoria, cobrem animo e brio para honrarem a herança que les legaram, para imitarem na metrópole o valor do nosso exercito nas terras africanas, e para não deixarem infamar e rasgar aos bocados a bandeira das quinas que outr'ora o valor portuguez fazia tremular sempre ovante e gloriosa nos mares e nos continentes.

Antes a morte do que a vida para assistirmos indifferentes e pussillanimes á degeneração da nossa raça, e para sermos o ludibrio das nações, não pela pequenez do nosso territorio, mas pela falta de animo, de justiça e de patriotismo que torna respeitados e grandes os pequenos Estados.

Convem, pois, que os RR. Parochos do nosso Bispado, possuidos d'estas ideas e sentimentos, cumpram as disposições do Programma official na parte que lhes diz respeito, e como lhes fôr possivel, e convem sobre tudo que aproveitem esta occasião para exhortarem os seus freguezes sobre a necessidade da fé e da pratica das virtudes civicas e christãs, para imitarmos o valor e o patriotismo d'aquelles cuja apotheose se celebra, e para nos levantarmos a tempo do abysmo para que nos vae levando a indifferença religiosa e o egoismo, a soltura das paixões e o desenfreamento do luxo, a relaxação da consciencia e a baixesa de caracter.





Paço Episcopal de Coimbra, 28 d'abril de 1898.



Indice